sábado, 27 de junho de 2009

O aguilhão

Há um andarilho que circula por aqui. Ele veste apenas uma surrada bermuda, e é totalmente indiferente ao asseio corporal: há muito tempo a barba, o cabelo e as unhas não sabem o que é um corte. Por não tomar banho, o seu odor é insuportável. Ele é um mutismo só: não emite nenhum murmúrio, nem expressa um gesto sequer. A técnica que usa para comer é infalível: ele se posta em frente a quem dispõe de algum alimento e fica ali, impassível, à espera. Para ver-se livre da presença incômoda, imediatamente lhe dão alguma coisa, e então ele vai embora. E é sobre isto que eu quero falar: sobre esta nossa propensão a querer rejeitar estes irmãos em provação. É um incômodo que queremos evitar. Não procuramos ajudá-los. Pelo contrário, queremos vê-los pelas costas. E... ele está aqui, agora. O fedor é nauseante. O Anselmo pede que ele se vá. Entrego-lhe duas laranjas e ele se afasta. Seu corpo é sujo. Este deve ser o nosso erro: vemos apenas a aparência. Não percebemos o Cristo nele. Se somos omissos quanto a este homem pacato, como conseguiremos fazer o bem àquele que nos faz mal? Ou, então, supremo desafio, amar a um inimigo? Sei que a comparação é covarde e absurda, mas Francisco de Assis, para sobrepor-se ao nojo que um leproso lhe causava, beijou-lhe as pústulas. Nós, simplesmente não nos importamos.

Dançando nas nuvens

Michael Jackson foi-se. Muita tinta, tempo e saliva ainda se vão gastar acerca dele, e é claro que também meterei a minha colher nesse angu, mas o farei com critério, e embasado em irrefutáveis pressupostos científicos da palpitologia e do achômetro. Michael era uma criança prisioneira no corpo de um adulto. As evidências a este respeito abundam: o rancho - com um parque de diversões encravado nele - que nomeou como a Terra do Nunca, em referência a Peter Pan, o menino que não queria crescer; a sua vozinha e trejeitos infantis, e a procura de outras crianças por companhia, que foi considerada como pedofilia. Posso estar enganado, e ele fosse mesmo um sátiro corruptor de menores, mas não creio que o sexo estivesse entre as suas cogitaçoes. Duvido que tenha tido alguma relação carnal, e se a teve foi tão traumatizante que não se dispôs a repetir a dose. Ora, direis, e os filhos atribuídos a ele? Direi eu que, se o dinheiro compra até consciências, também pode arranjar descendentes postiços. Tudo o que ele queria era brincar. Quando viu que seria inevitável tornar-se gente grande, tentou fazer parar o tempo. Mas o tempo não pára.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

O poder do nome

Pensei que o mancebo que abalou as estruturas da Madonna se chamasse apenas Jesus Luz, o que já não era pouco. Mas acabo de ler em um jornal o seu nome completo de batismo: Jesus Pinto da Luz. Não há dúvida que o rapaz é mesmo um predestinado: o sagrado e o profano se entrelaçando em um nome de tão múltiplos atributos...

terça-feira, 16 de junho de 2009

Me aguardem que eu volto

Este convite consta de vários painéis dispostos em frente ao crematório e cemitério da Max Domini, na BR 316: "Resolva uma situação importante antes de ir embora". Dá a entender que a partida é em definitivo, sem possibilidade de retorno. Mas a coisa não funciona assim, mano. Porque nós vamos e voltamos. Idas e vindas se sucederão vezes sem conta até que, mediante o esforço pessoal, possamos ascender ao ponto em que não seja mais preciso regressar. Sob este chão ficaram os inúmeros corpos que descartamos ao longo dos milênios, e a eles serão acrescentados muito mais. Portanto, por enquanto, ainda não se pode falar em adeus; só num até logo.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Todos são sobreviventes

Dizem que o avião é o meio mais seguro de transporte, mas é inevitável duvidar-se desta afirmação a cada desastre impactante que se abate sobre a aviação. Na verdade, nada na vida é 100% seguro. Viver não é caminhar no fio de uma navalha? Saúdo, com reverência, os passageiros e tripulantes do voo 447 da Air France que, nas alturas, em meio à turbulência, celebraram a consumação do seu carma coletivo. É um consolo para você saber que não existe morte, mas transformação?

Ao vencedor, as batatas

E os nossos queridos irmãos manauaras foram contemplados com a subsede amazônida para a Copa de 2014. Bem-feito! Quer dizer: Parabéns, e torço para que não se arrependam da vitória alcançada. Quando a nós, basta de choradeira, e de ir atrás de justificativas para a derrota. Numa disputa, alguém tem de perder. Ou não? O nordeste foi contemplado com 4 subsedes. Bem que o Comitê Desorganizador poderia ter reservado duas vagas para o norte, mas isso já seria pedir demais. Parece que a sina deste estado tão rico e carente é mesmo estar sempre roendo o osso, ou então ficando com as migalhas deixadas pelo restante da federação. Este troféu ninguém tasca. Com toda a certeza, ele é nosso.

Eu só pego choque

Neste domingo, 24, ao longo da estrada Tomé-Açu - Quatro Bocas, empreiteiras faziam manutenção na rede elétrica. Muitos operários, carros de apoio e equipamentos. Aqui e ali, a indefectível placa: "Homens trabalhando". E não era mentira: não se via nenhuma mulher em atividade. Aliás, não me recordo de tê-las visto, pelo menos uma vez, entre os trabalhadores deste ramo. Deve ser um dos últimos bastiões machistas. E então, alguma mulher aí se atreve a pegar neste fio desencapado?