domingo, 16 de dezembro de 2007

Nunca mais

Oi. Voltei. Pois é, eu sou visceralmente contra todas as cerimônias de formatura. Se me virem em alguma por aí, podem contar que fui coagido a isso. A programação é sempre extensa, maçante e repetitiva. Os discursos, as homenagens e até as gafes nunca mudam. E me permitirei apenas um breve comentário acerca das boas maneiras dos convidados: nem uma carga de cavalaria conseguiria suplantá-los no ímpeto desordenado com que investem sobre a mesa de iguarias. Mas hoje eu estava tão zen que me peguei meditando sobre este meu olhar judicioso e crítico. Traz alguma contribuição para o processo de regeneração do planeta por-me a classificar, rotular e emitir julgamentos de valor sobre o desempenho invariavelmente sofrível dos meus irmãos de humanidade? E este meu ar sobranceiro, pairando implacável sobre as infelizes criaturas das quais me fiz severo algoz, será que teria alguma remota chance de vir a deter o aquecimento global? Não e não. Então, por que não calçamos este pretensamente impoluto pilar de comedimento e urbanidade com umas boas sandálias da humildade? Tá bom. Mas, cerimônias de tortura nunca mais.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Ainda não foi agora

Caramba! Finalmente, depois de mais de dois meses olimpicamente ignorando-as, retorno a estas crônicas abandonadas. O que aconteceu com o meu manancial criativo? Será que as minhas musas saíram para umas férias intermináveis e não me avisaram nada? Antes, apesar do meu trabalho mundano, eu ainda conseguia editar duas revistas de conteúdos diametralmente opostos, e tão impactantes que apenas alguns privilegiados conseguiam absorvê-las. Agora, no entanto, não estou conseguindo parir nem algumas magras linhas. São tantas as desculpas que arranjamos qundo queremos justificar o desleixo indesculpável... E até que estou com uma disposição invejável para cansá-los com o desfiar interminável de um rosário de lamentações, mas neste momento devo arrancar-me deste sítio carente de excesso de acessos, pois sou compelido a cumprir uma ingrata agenda social: ir a uma cerimônia de formatura. Até a volta!

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Liberdade é... não precisar carregar esse trambolho pra lá e pra cá

Oi! Sabem qual é o maior prazer de se estar vivo? É viver sem fronteiras, claro! Pois é, pessoal, fiquei tão empolgado em passar uma semana inteirinha com o celular desligado que vou fazer com ela o mesmo que se faz com a CPMF: prorrogá-la indefinidamente, até enjoar. A despeito mesmo de ter deixado desativado este descartável objeto de desejo, ainda assim respirei sem necessitar de(do) aparelho, os dias, as noites e as estações se sucederam, e em nenhum momento o eixo da Terra teve a sua inclinação afetada. Está certo que o meu levante solitário nem em sonhos abalou o alicerce de sólida prepotência da operadora-opressora, muito menos conseguiu deter o aquecimento global, mas, pelo menos neste período de defeso, não corri o risco de ter as minhas conversas devassadas em algum dos telejornais da noite. Tudo bem, eu sei que vocês vão achar que tudo isso não é nada, que eu deveria me ocupar e preocupar com outros assuntos de maior relevância, e eu concordarei prontamente com vocês que tudo isso é muito pouco, que não é nada, não é nada, não é nada, e que não é nada mesmo.

sábado, 22 de setembro de 2007

Saudades, mana

A Iolanda, lá do seu exílio voluntário na garoa paulistana, e agoniada por não encontrar novas e originais postagens nestas Crônicas, quer saber, por e-mail, se a terra arrasada que grassa à nossa volta se instalara, também, no universo das minhas idéias. Hummm... Tá bom, admito que não possam ter sido bem essas as suas palavras, talvez nem mesmo o espírito delas, mas vamos ficar com a minha versão, e não com o fato. Ió, não pense que eu não me aflijo por não estar oferecendo um serviço de qualidade à altura da minha distinta e diminuta legião de cultuadores, mas é que as vãs inquietações da vida mundana ainda não permitiram que eu pudesse atender, em tempo integral, ao insistente chamado das Musas. Mas, não se turbe o vosso coração. Envidarei todos os esforços no sentido de que os nossos celebrados recursos estilísticos não sofram mais solução de continuidade, e não deixem novamente ao desamparo tão atilada e percuciente observadora. Ponto.

O rato que ruge

Minha prima Aldaleda havia viajado para o Rio, e eu preparara uma mensagem supimpa para ela. Ao tentar enviá-la, fui surpreendido por um aviso da operadora-opressora de que eu não dispunha de créditos suficientes para a remessa, e de que eu deveria fazer uma recarga o quanto antes, do contrário o mundo iria desabar sobre a minha cabeça. Ah, é? Fiquei tão melindrado com essa ingerência indevida na condução do meu próprio destino que, em represália, decidi instituir a semana sabática, na qual deixaria desligado esse desprezível objeto de consumo, uma coisa que até cachorro usa, com o devido respeito a esse nobre animal. Sei que este gesto simbólico não contribuirá para a queda da taxa de juros, nem tampouco fará baixar o preço dos produtos da cesta básica, embora os líderes de governo fiquem frustrados por não dispor deste meio para aconselhar-se comigo sobre as grandes questões mundiais, mas, pelo menos por uma semana, eu me darei o gostinho de provar que o celular foi feito para mim, e não eu para ele.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Terapia do abraço

Toda a minha família estava em uma grande sala, deitada em colchonetes, se preparando para dormir. Era aniversário do Dinho, um dos meus irmãos. Convencionou-se que cada um diria alguma coisa referente à data; eu seria o primeiro. Depois que o burburinho cessou, disse que eu e o Dinho estávamos tão distantes um do outro... Eu queria que nós nos falássemos mais. Ele saiu de onde estava, veio até mim e nos abraçamos. Havia um grande carinho entre nós, o que era de se estranhar, pois o nosso relacionamento sempre foi muito formal. Eu sentia aquele clima amoroso a nos envolver e ficávamos por ali, olhando-nos de soslaio, como se não quiséssemos nunca mais nos apartar. Então ele principiou a falar, e sei que ia me dizer algo importante, mas o sonho acabou.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Meu tesouro

Ao chegar do trabalho, vi que a mamãe estava no pátio da sua casa, deitada numa rede, pegando a fresca da tarde. Ela me viu e sorriu para mim. Fui tomar-lhe a bênção, e ela, dando tapinhas na beirada da rede, convidou-me para deitar um pouco. Ficamos ali, conversando. Uma caixa de som, instalada em um poste próximo, passa a irradiar a prece do Ângelus: "E o anjo do Senhor anunciou...". Mamãe, devota de Nossa Senhora, passa a recitar a Ave-Maria. Em seguida, agradece ao Criador pelas dádivas do dia, e pede por sua saúde, pela do seu esposo e dos seus filhos. Depois, toca no meu braço e roga que eu tenha saúde e uma longa vida. Foi tudo tão inesperado, tão simples e natural que eu fiquei sem fala. Mãe, desculpe eu ter ficado mudo; mas deu pra sentir o quanto amo você?

Rei roxo

O ônibus vinha se contorcendo, tentando driblar os onipresentes buracos da estrada de Quatro Bocas a Tomé-Açu, e eu estava nele, olhando sem ver a paisagem lá fora. Quase chegando à Goela da Morte, me surpreendi ao vê-lo no horizonte, tão altaneiro como uma pira olímpica, a sua cabeleira de fogo violeta sobressaindo-se em meio ao verdor da folhagem à sua volta. Fiquei tão encantado que o meu primeiro impulso foi me perguntar se a Riso, que é fascinada por ipês, já havia apreciado aquele espetáculo. Que belo farol a nos observar chegar e passar! Tenho que ir até lá, no terreno dos Fukushima, prestar reverência a este monarca da floresta, antes que a nossa ganância, ou então um raio que o parta, termine por tombá-lo fulminado.

Um artista

Não é por ser meu pai, não, mas o João Barreto é um gênio. Paciente, metódico, brilhante, é tão perfeccionista que vai muito além do ponto em que já nos daríamos por satisfeitos. Ele agora está beirando os 73 anos, e uma dor nas pernas o havia impedido de concluir a montagem de um exaustor para o restaurante do posto. Para quem sempre trabalhou desde os 5 anos, foi duro assimilar a inatividade imposta pelo implacável tempo. Pois ele retomou o trabalho interrompido, que ficara aguardando a sua volta, e a minha admiração reacendeu-se ao vê-lo armar um molde de papelão para compor a cúpula desse mesmo exaustor. Um craque! Velho, meu querido velho... Agora caminha lento, e o amo cada vez mais.

Você já comeu zabão?

Não, eu não sou fanhoso e não estou querendo dizer sabão. É zabão, mesmo. É uma espécie de laranja do tamanho de um coco adulto. Depois de abastecer o seu trator no posto onde trabalho, um lavrador nissei ofereceu-me a estranha fruta, e tive o privilégio de recebê-la em minhas mãos. Outros não tiveram a mesma regalia. Observava, curioso e divertido, ele atirá-los na direção de quem quer que lhe pedisse, e lá ia o zabão quicando e rolando como uma bola de boliche. Tive de romper com uma faca a casca grossa. Lá dentro, gomos gigantes cobertos por uma espessa camada esbranquiçada. Parece que estamos depenando um frango de granja. Consegui comer apenas dois gomos. É bom, embora fique uma certa resina pitiú nas mãos. Acho que o zabão não foi feito para ser comido sozinho; ele tem que ser compartilhado, como uma pizza.

Tropas estelares

Ontem, no corredor de casa, havia uma punha-mesa. Havia uma punha-mesa no meu caminho. Uma punha-mesa é um inseto tão verde e esquisito quanto certamente só um marciano consegue ser. É evidente que ele acabara de despencar da sua nave, porque ainda estava meio baratinado, as antenazinhas pra lá e pra cá, fazendo o reconhecimento do território inimigo. Temeroso de que ele quisesse instalar-se em algum dos quartos, fechei todas as portas de acesso e fui cuidar da minha vida. No outro dia, de manhã cedo, lá estava o corpo dele estirado no chão da sala, teso, imóvel, os tentáculos estendidos para cima. Fiquei ali, olhando o finado, e ruminando por que, ontem, ao invés de evitá-lo, temendo por minha segurança, eu não o coloquei sobre o meu braço, para senti-lo e apreciar o seu caminhar...

domingo, 26 de agosto de 2007

Renascer

Neste sábado, 25.08.07, realizamos uma reunião comemorativa aos dez anos de fundação do Grupo Renascer de Alcoólicos Anônimos de Tomé-Açu. Na oportunidade, três membros da irmandade receberam as fichas - troféus, como chamamos - alusivas aos respectivos períodos de sobriedade; um deles, inclusive, é abstêmio desde a criação do grupo. Não bebo há mais de sete anos, e esta é uma graça da qual jamais serei suficientemente grato ao Criador. Um dos meus companheiros, ao dar o seu depoimento em cabeceira de mesa, declarou que a bebida foi uma paixão à primeira vista da qual ele só conseguiu divorciar-se após ingressar no AA. Caso você também queira ousar cometer a imprudência de apaixonar-se pelo álcool, saiba que terá de conviver forçosamente com o seu pior inimigo.