sábado, 27 de junho de 2009

O aguilhão

Há um andarilho que circula por aqui. Ele veste apenas uma surrada bermuda, e é totalmente indiferente ao asseio corporal: há muito tempo a barba, o cabelo e as unhas não sabem o que é um corte. Por não tomar banho, o seu odor é insuportável. Ele é um mutismo só: não emite nenhum murmúrio, nem expressa um gesto sequer. A técnica que usa para comer é infalível: ele se posta em frente a quem dispõe de algum alimento e fica ali, impassível, à espera. Para ver-se livre da presença incômoda, imediatamente lhe dão alguma coisa, e então ele vai embora. E é sobre isto que eu quero falar: sobre esta nossa propensão a querer rejeitar estes irmãos em provação. É um incômodo que queremos evitar. Não procuramos ajudá-los. Pelo contrário, queremos vê-los pelas costas. E... ele está aqui, agora. O fedor é nauseante. O Anselmo pede que ele se vá. Entrego-lhe duas laranjas e ele se afasta. Seu corpo é sujo. Este deve ser o nosso erro: vemos apenas a aparência. Não percebemos o Cristo nele. Se somos omissos quanto a este homem pacato, como conseguiremos fazer o bem àquele que nos faz mal? Ou, então, supremo desafio, amar a um inimigo? Sei que a comparação é covarde e absurda, mas Francisco de Assis, para sobrepor-se ao nojo que um leproso lhe causava, beijou-lhe as pústulas. Nós, simplesmente não nos importamos.

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