quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Meu tesouro

Ao chegar do trabalho, vi que a mamãe estava no pátio da sua casa, deitada numa rede, pegando a fresca da tarde. Ela me viu e sorriu para mim. Fui tomar-lhe a bênção, e ela, dando tapinhas na beirada da rede, convidou-me para deitar um pouco. Ficamos ali, conversando. Uma caixa de som, instalada em um poste próximo, passa a irradiar a prece do Ângelus: "E o anjo do Senhor anunciou...". Mamãe, devota de Nossa Senhora, passa a recitar a Ave-Maria. Em seguida, agradece ao Criador pelas dádivas do dia, e pede por sua saúde, pela do seu esposo e dos seus filhos. Depois, toca no meu braço e roga que eu tenha saúde e uma longa vida. Foi tudo tão inesperado, tão simples e natural que eu fiquei sem fala. Mãe, desculpe eu ter ficado mudo; mas deu pra sentir o quanto amo você?

Rei roxo

O ônibus vinha se contorcendo, tentando driblar os onipresentes buracos da estrada de Quatro Bocas a Tomé-Açu, e eu estava nele, olhando sem ver a paisagem lá fora. Quase chegando à Goela da Morte, me surpreendi ao vê-lo no horizonte, tão altaneiro como uma pira olímpica, a sua cabeleira de fogo violeta sobressaindo-se em meio ao verdor da folhagem à sua volta. Fiquei tão encantado que o meu primeiro impulso foi me perguntar se a Riso, que é fascinada por ipês, já havia apreciado aquele espetáculo. Que belo farol a nos observar chegar e passar! Tenho que ir até lá, no terreno dos Fukushima, prestar reverência a este monarca da floresta, antes que a nossa ganância, ou então um raio que o parta, termine por tombá-lo fulminado.

Um artista

Não é por ser meu pai, não, mas o João Barreto é um gênio. Paciente, metódico, brilhante, é tão perfeccionista que vai muito além do ponto em que já nos daríamos por satisfeitos. Ele agora está beirando os 73 anos, e uma dor nas pernas o havia impedido de concluir a montagem de um exaustor para o restaurante do posto. Para quem sempre trabalhou desde os 5 anos, foi duro assimilar a inatividade imposta pelo implacável tempo. Pois ele retomou o trabalho interrompido, que ficara aguardando a sua volta, e a minha admiração reacendeu-se ao vê-lo armar um molde de papelão para compor a cúpula desse mesmo exaustor. Um craque! Velho, meu querido velho... Agora caminha lento, e o amo cada vez mais.

Você já comeu zabão?

Não, eu não sou fanhoso e não estou querendo dizer sabão. É zabão, mesmo. É uma espécie de laranja do tamanho de um coco adulto. Depois de abastecer o seu trator no posto onde trabalho, um lavrador nissei ofereceu-me a estranha fruta, e tive o privilégio de recebê-la em minhas mãos. Outros não tiveram a mesma regalia. Observava, curioso e divertido, ele atirá-los na direção de quem quer que lhe pedisse, e lá ia o zabão quicando e rolando como uma bola de boliche. Tive de romper com uma faca a casca grossa. Lá dentro, gomos gigantes cobertos por uma espessa camada esbranquiçada. Parece que estamos depenando um frango de granja. Consegui comer apenas dois gomos. É bom, embora fique uma certa resina pitiú nas mãos. Acho que o zabão não foi feito para ser comido sozinho; ele tem que ser compartilhado, como uma pizza.

Tropas estelares

Ontem, no corredor de casa, havia uma punha-mesa. Havia uma punha-mesa no meu caminho. Uma punha-mesa é um inseto tão verde e esquisito quanto certamente só um marciano consegue ser. É evidente que ele acabara de despencar da sua nave, porque ainda estava meio baratinado, as antenazinhas pra lá e pra cá, fazendo o reconhecimento do território inimigo. Temeroso de que ele quisesse instalar-se em algum dos quartos, fechei todas as portas de acesso e fui cuidar da minha vida. No outro dia, de manhã cedo, lá estava o corpo dele estirado no chão da sala, teso, imóvel, os tentáculos estendidos para cima. Fiquei ali, olhando o finado, e ruminando por que, ontem, ao invés de evitá-lo, temendo por minha segurança, eu não o coloquei sobre o meu braço, para senti-lo e apreciar o seu caminhar...

domingo, 26 de agosto de 2007

Renascer

Neste sábado, 25.08.07, realizamos uma reunião comemorativa aos dez anos de fundação do Grupo Renascer de Alcoólicos Anônimos de Tomé-Açu. Na oportunidade, três membros da irmandade receberam as fichas - troféus, como chamamos - alusivas aos respectivos períodos de sobriedade; um deles, inclusive, é abstêmio desde a criação do grupo. Não bebo há mais de sete anos, e esta é uma graça da qual jamais serei suficientemente grato ao Criador. Um dos meus companheiros, ao dar o seu depoimento em cabeceira de mesa, declarou que a bebida foi uma paixão à primeira vista da qual ele só conseguiu divorciar-se após ingressar no AA. Caso você também queira ousar cometer a imprudência de apaixonar-se pelo álcool, saiba que terá de conviver forçosamente com o seu pior inimigo.